Tathiara ganhava 15 mil por mês como corretora. Ela era organizada e gozava de estabilidade financeira
Viu um curso no Instagram ensinando a ganhar dinheiro com o jogo do “aviãozinho”.
Começou apostando por diversão. 25 reais. Um dia ganhou 72 mil.
Empolgou. Apostou tudo. Perdeu tudo.
Mas continuou.
Sonhava com os sons e as cores do jogo.
Perdeu 100 mil num único dia.
Fez empréstimos com bancos. Depois com agiotas.
Em três anos, perdeu quase 2 milhões de reais.
Atualmente está em tratamento psicológico e psiquiátrico.
[tirado da reportagem O bonde do Tigrinho - Revisa Piauí]
Na CPI das Bets, uma das maiores influenciadoras do Brasil apareceu com cara de quem “não sabia de nada”. O moletom preto, o copo Stanley rosa, o habeas corpus no bolso. Tudo isso encenado como se ainda tivesse 12 anos — e não os 26 que tem.
A atuação de Virginia Fonseca diante dos senadores rendeu manchetes, vídeos virais e… beijos pedidos por parlamentares em plena sessão. Mas por trás do espetáculo midiático, algo bem mais grave (e invisível) estava em cena: o Brasil está normalizando o vício em apostas.
Segundo o Banco Central, em agosto de 2024:
R$ 20,8 bilhões foram transferidos via Pix para casas de apostas
24 milhões de brasileiros apostaram pelo menos uma vez.
5 milhões eram beneficiários do Bolsa Família, que enviaram R$ 3 bilhões para as bets.
O cenário avançou muito rápido desde 2020: 24 milhões de brasileiros apostaram em 2023. O Brasil foi o país que mais apostou no mundo, com o agravante de ter gente deixando de comprar comida pra jogar no tigrinho. A Confederação do Comércio estimou que as apostas geraram 1,3 milhão de novas inadimplências no primeiro semestre de 2024.
E o cenário piora. De acordo com a ANBIMA:
47% dos apostadores estão endividados.
10% apresentam alta tendência ao vício em apostas.
16% acreditam que aposta é uma forma de investimento.
Entre os que apostaram em 2024, 6 em cada 10 tentaram recuperar perdas apostando mais.
Isso mesmo: enquanto o país discute se influenciadores lucram com a perda alheia, milhões de brasileiros colocam dinheiro nas bets achando que estão “investindo”.
Se isso não for uma epidemia comportamental, eu não sei o que é.
A promessa é rápida, o risco é invisível. Seres humanos, à mercê dos próprios vieses cognitivos! O cérebro ignora a estatística, se agarra no “vai que eu ganho” e ainda compara com aquele amigo que tirou R$ 200 com um clique. O imediatismo anestesia o raciocínio.
É o famoso:
“Dessa vez vai.” (viés do otimismo)
“É só 50 reais.” (viés do presente)
“Eu controlo.” (ilusão de controle)"Meu primo ganhou R$ 300 na semana passada." (norma social)
Quando isso se junta ao estresse financeiro e à baixa educação financeira, temos uma bomba invisível:
O Brasil virou um país que aposta para sair do buraco — e cava mais fundo a cada Pix enviado.
Mas Carol, isso é só problema de quem não tem educação ou quem está desesperado por dinheiro!
Não.
Os dados mostram que o perfil que mais aposta é o "Perfil Diversifica" — investidores de classe média, com múltiplos produtos financeiros, mais escolaridade e renda. Ou seja, o vício não respeita o diploma. Ele só precisa de um cérebro humano — com desejos, escassez, ansiedade e algum gatilho emocional.
Além disso: muitos rostos conhecidos e que gozam de mais “respeitabilidade", como o locutor Galvão Bueno e jogadores do Real Madrid, emprestam sua credibilidade para dar um ar “normal" ao jogo, tirando a pecha de que isso é coisa apenas de influencer.
Falando nos influencers, muitos chegaram a dizer que: “cada um sabe o que faz" e “ninguém vai se jogar do penhasco se eu mandar". Não é tão simples. O fato de um influenciador incentivar o jogo pode ser o elemento crucial para uma pessoa decidir jogar.
Aliás, os próprios influenciadores são reféns de vieses cognitivos. Até aqueles que resistiram a fazer publi de casa de aposta, inicialmente por questões éticas, acabaram cedendo quando ficaram diante da normalização dos anúncios, já que outras inúmeras celebridades viraram garota propaganda dessas casas de apostas. Se engana que isso se trata apenas de mau caratismo.
Pesquisas mais do que comprovam que quando a norma social parece aderir, a dor de ficar de fora é real. A gente segue a maioria não por convicção ética, mas por medo de estar errado, de ser diferente ou de ficar de fora, mesmo que isso seja eticamente duvidoso. Se todo mundo está fazendo, deve ser certo (ou pelo menos não tão errado assim). Claro que a recompensa financeira é um estímulo. Mas não podemos ignorar a força invisível que a normalização das apostas causa em quem toma a decisão de divulgar.
O efeito manada é um poderoso influenciador de comportamento humano (Alemanha nazista está aí pra provar isso).
Somado a tudo isso, ainda há a facilidade nunca antes vista de se ter um cassino on-line disponível 24h no seu bolso. Maus comportamentos podem ser evitados quando há fricção e dificuldade para se performar o comportamento. Mas no caso dos jogos online tudo é desenhado para ser fácil e sedutor, fazendo com que os jogadores repitam com facilidade o ato de jogar.
Para coroar ainda temos o chamado reforço intermitente: o cérebro fica mais motivado a engajar em um comportamento quando a recompensa é incerta (pasmem). A dopamina não vem da vitória. Vem da possibilidade de vitória. Quanto mais aleatório, mais viciante.
Entre selfies e piadas com influenciadores, vimos senadores trocando fiscalização por elogio.E uma CPI que deveria investigar virou palco de bajulação.
Enquanto isso, milhões apostam o dinheiro do aluguel, do remédio e da esperança.
A indústria fatura. O cérebro afunda.
A lógica das bets não é nova. É só o cassino com Wi-Fi e ambiente digital sedutor.
Mas o que estamos vendo é mais profundo: a financeirização da ilusão de mobilidade social.
E se você trabalha com finanças, comportamento ou educação: não dá pra ignorar o que realmente afunda a pessoa no jogo.
Antes fosse apenas falta de responsabilidade financeira. É um jogo da mente, em que os jogadores entram sem saber as regras.
Infelizmente, falta letramento em psicologia econômica (inclusive para profissionais) e daí fica mais fácil colocar a culpa em quem joga.
Nós que trabalhamos com educação financeira precisamos conhecer a mente das pessoas antes de apontar dedos ou soluções que pouco funcionam.
Carol
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24/05 - sábado
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O Brasil é mesmo o país do absurdo. Cassino é proibido. Bingo é crime. Mas as bets seguem lavando mentes e esvaziando bolsos, com bilhões saindo direto do Pix nacional pra enriquecer gringos offshore. Tudo isso com o selo de aprovação do algoritmo, a omissão do Estado e a bênção de personalidades que se dizem nobres — como Galvão Bueno, Luciano Huck e tantos outros hipócritas onde o dinheiro fala mais alto. A diferença é que agora o vício vem com design atrativo, reforço intermitente e narrativa de “investimento”. Não é mais só aposta — é a financeirização da esperança. Parabéns, Carol. Texto que devia ser lido por cada deputado que hoje finge que não vê.
Que texto necessário Carol..❤️