Do mundo não se leva nada.
A frase que ecoa não me lembra só o Silvio, mas como as regras para usar o dinheiro são criadas de forma sorrateira.
Eu tenho uma confissão a fazer. Apesar de ser a general das telas aqui em casa com as crianças: eu passava muitos dos meus sábados e domingos vendo (o dia inteiro) Silvio Santos.
Eu cresci com o Silvio Santos. Ele fez parte da minha infância e juventude. Sem entrar no mérito se Senor Abravanel era bom ou ruim (até porque a maioria de nós é tridimensional e não uma coisa ou outra): Silvio era parte da família dada sua onipresença.
Minha mãe ao saber da morte dele chorou. Afinal, ele impactou gerações. Eu não cheguei a tanto, mas fiquei bastante comovida. Por muita sorte eu estava em um final de semana de detox autoimposto de redes sociais, então fui informada pela morte do Silvio pela minha irmã na praia (e não pela Gina Indelicada).
Pode ter certeza que isso fez diferença. Soube da morte no sábado, fiquei em choque por alguns minutos, depois voltei a fazer castelos de areia que a Malu teimava em destruir no segundo que se colocavam de pé.
Já passei por isso antes. Ayrton Senna, Mamonas Assassinas, Cássia Eller. Eu ficava o dia inteiro grudada na TV vendo as 2600 homenagens ao ser humano que tinha feito a passagem. Quando envolvia tragédia era ainda pior. A gente é meio dragado para esse looping infinito de informações que são despejadas imitando o balanço de uma gangorra: ora uma visão positiva do homenageado, ora uma visão trágica da morte.
Mas com Silvio “dei sorte”, pois estava sem celular e sem TV. Meu cérebro não seria capaz de absorver a enxurrada de notícias, vídeos antigos, depoimentos, memes (meu Deus, já vi e revi 10 mil vezes o vídeo do menino do Raça Negra, certamente ele voltou a circular no último final de semana). Mesmo assim: eu iria forçá-lo a consumir tudo isso.
À noite, como estávamos em uma casa de praia no interior do Rio, só pegavam 2 canais: BAND e SBT. Então me entreguei e fiquei vendo as homenagens ao Silvio Santos. A música mais famosa dele ecoava em melodia triste ao fundo das reportagens: “la-ra-la-rá…la-ra-la-rá…la-ra-la-rá lá rá lá rá lá rá”.
Agora mais do que nunca a frase “do mundo não se leva nada” fazia sentido. É impossível em um momento de comoção e perda passar por essa frase incólume. Ela tem o poder de fazer a gente se questionar sobre:
O que eu tô fazendo com a minha própria vida?
As minhas escolhas até aqui foram as melhores?
Eu sinto que estou vivendo?
E se eu morrer amanhã?
Me lembrou meus 27 anos, quando um namorado de uma amiga morreu com a mesma idade de câncer. Eu chorei tanto no velório que parecia que o namorado era meu. Mas na verdade, ficar diante da finitude da vida tão cedo é muito impactante e poderoso. Obviamente isso influenciou os meus 3 meses seguintes após a morte dele.
Vivi. Ou pelo menos fiz o que na época considerava que representava “estar vivendo uma boa vida”. Disse sim para viagens, restaurantes, saídas, encontros de amigos. Sim pra tudo que representasse vida e alegria.
Mas hoje, em um momento distante e menos comovido, me indago: seria isso tudo viver ou uma versão millennial de fuga, que usa experiências e indulgências infinitas para não pensar na morte, na dor e nas responsabilidades (incluindo fatura do cartão, reservas e aposentadoria)?
Se do mundo não se leva nada: vamos sorrir e gastar!
E assim, influenciados por emoções e por um contexto favorável à gastança, nasce uma regra simples (muitas vezes ruim) do uso do dinheiro. Uma vez automatizada e inconsciente: essa regra pode levar anos para ser substituída.
No meu caso particular: foram 13 anos para isso acontecer.
Não faltou saber como o mundo funciona: é preciso ter (e guardar) dinheiro. Mas faltou consciência de quais eram as heurísticas que regiam a minha vida e qual o impacto disso no médio prazo.
Não tenho arrependimentos, porque nunca me endividei e fiz muita coisa que hoje seria digna muitos likes (nesse sentido chego a sentir certa gratidão por essas experiências terem sido 100% offline).
Mas tampouco construí um patrimônio sólido que pudesse me acalentar em momentos difíceis que vivi anos mais tarde. 6 anos depois: o preço está sendo pago, ainda.
A certo ponto me perguntei: e se a regra que automatizei e que guiou milhares de decisões por mais de uma década de vida fosse um pouco mais saudável?
O uso do dinheiro precisa ser bom hoje e amanhã.
Se o foco está apenas em um desses tempos, só presente ou só futuro - alguma consequência de dor você vai experimentar, porque não há cartão de crédito que prolongue indefinidamente a evitação da dor e do desconforto que alguns pensamentos nos causam.
Em momentos intensos, especialmente de perda ou tristeza, é preciso ficar atento para que um momento não cristalize o futuro.
Deixo pra você refletir: qual experiência passada ecoa no seu presente?
Beijo
Carol