Em 2019 eu e minha família decidimos realizar um sonho: levar meus pais pra Europa pela primeira vez. Era uma espécie de prazer e dívida. Isso porque meus pais abdicaram dos próprios supérfluos para pagar educação de alta qualidade, inglês, jazz etc.
Nós, as 3 filhas, já tínhamos conhecido o velho continente aos 20 e poucos anos. Mas meus pais aos 60 e poucos anos, ainda não.
Como bons integrantes da classe média da zona norte carioca, eles seguiam a heurística: escola primeiro, o resto depois.
Não preciso dizer que isso causou diversas consequências psicológicas. Incluindo um modo hiper vigilante do meu pai com dinheiro para o futuro. Eu falei pra ele na nossa última viagem: “Pai, seu futuro chegou. Você tem 70 anos. Já pode relaxar.” Mas ninguém muda um sistema de crenças construídos ao longo de 70 anos de um dia para o outro (só quem vende essa ideia é coach mesmo).
Voltando a 2019: compramos tudo, alugamos airbnbs, planejamos os locais de visita. Um sonho! Mas a pandemia foi lá e estragou tudo :(
Depois tentamos fazer de novo em 2021. Compramos as passagens da 123 milhas…
E aconteceu isso:
Definitivamente, a sorte não tava do nosso lado.
Aí depois tudo se complicou. As famílias aumentaram, cada um tinha uma rotina com filhos. Eu com 2 filhos ficava sempre na dúvida de gastar uma pequena fortuna pra viajar. Até que em 2023, decidimos ir pra Espanha.
Mas outras questões pessoais atrapalharam a viagem de todo mundo junto. De novo.
2024 chegou e faltando 5 meses pra viagem minha família decidiu ir pra Espanha. Mas aí quem não aceitou ir fui eu. A minha planejadora financeira interior me fez negar essa pequena alegria, porque minhas irmãs decidiram ir do nada e pagando o que tivesse que pagar para realizar esse desejo. Foi demais para minha identidade de pessoa planejada.
Fui enxurrada de fotos da Espanha e sempre acaba gerando a FOMO (fear of missing out - medo de ficar de fora). Fiquei me questionando se fiz a escolha certa. Flertando com o arrependimento. Mas no fundo sabia que era apenas o viés da aversão à perda pertubando meu Sistema 2 (aquele sistema racional de tomada de decisão).
Até que ano passado decidi que já que não iria para Europa com eles, pelo menos poderia ir para Pernambuco por 5 dias. E compramos uma viagem, que aconteceu no último final de semana.
E na viagem algo se confirmou: ir para Europa com a minha família é o canto da seria da dopamina, que projeta um futuro cor de rosa e coloca nosso foco na recompensa que aquilo que ainda não tenho pode dar. Como se ir para Europa com todo mundo fosse algo memorável e incrível e que eu precisasse vivenciar.
Mas na prática, coisa que já tinha mapeado (afinal, sou a mestra da coleta de dados comportamentais), a história é outra.
Eu sou muito diferente da minha família em viagem (talvez seja mais parecida com meu pai, mas como ele é sempre voto vencido no meio da mulherada, não conta).
Minhas irmãs querem movimento, novidade, muvuca, barulho, compras de artesanato, restaurantes novos todos os dias. As crianças gritam como boas latinas da zona norte carioca (incluindo meus filhos). Eu ficava imaginando esse CAOS na Europa por 15 dias. Hoje não, Faro.
Inclusive, minhas irmãs relataram que onde eles chegavam na Espanha com as crianças as pessoas colocavam as mãos nos ouvidos (meu pai amado!!). Mas elas não se incomodam com o julgamento alheio. Eu sim.
Eu já fui assim, mas hoje gosto de apreciar a natureza, COM CALMA. Gosto de saborear comidas, ler um livro, ouvir música e ter conversas profundas sobre algum assunto. Eu não quero ir pra algum lugar só porque não conheço, só pela novidade. Eu quero mais conexão e menos barulho.
E pra mim ficou muito nítido que amo minha família. Compartilho de muitas coisas em comum com eles. Adoro viajar com todo mundo. Também falo alto. Mas pagar uma viagem cara de 15 dias pra viver dentro desse caos: eu passo. Porque temos objetivos diferentes com a viagem. Ritmos diferentes. Lidamos com o dinheiro de forma diferente. E isso tudo entra em colisão, obviamente. Meu sistema de crenças sobre viagem e dinheiro mudou.
Nessa última viagem, que fomos para Pontal de Maracaípe-PE, eu inclusive fiz minha irmã responder um exercício que eu chamo de pirâmide de Maslow pessoal, onde a pessoa precisa priorizar 5 valores da vida. Na pirâmide dela tinha: família, educação, viagem, lazer e tempo livre! Meu pai se virou e falou: “não tem segurança nessa pirâmide?!" Eu ri. Respondi: na dela não tem, mas na minha é o primeiro valor.
E foi então que eu renovei meus votos e lembrei dos motivos de ter decidido não viajar com eles pra Europa. Porque seria um gasto grande para me colocar em situação de stress. Racionalmente, hoje, não vale a pena. Quem sabe com as crianças maiores.
A gente não precisa fazer tudo que a família faz e nem sempre vamos compartilhar valores e prioridades. Se isso não estiver muito claro pra nós, somos fagocitados pela dopamina, pelo ambiente e pela aversão à perda e dizemos SIM para o que parece ser bom, mas não necessariamente é!
Eu não me sinto mão de vaca. Não me sinto velha. Não me sinto chata. Não sinto que não aproveito a vida na hora certa. Aprendi que reconheço meus valores e prioridades e que é muito difícil hoje eu me curvar a narrativas só me pra jogar no sonho e no desejo do outro. O nome disso? Liberdade.
Agir diferente da manada exige muito refino de leitura do próprio comportamento e da atuação dos vieses cognitivos.
Mas nisso sou expert.
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Adorei o texto, Carol! Fiquei curiosa para fazer esse exercício. Gostei da forma escancarada que ele organiza as pessoas. Deve ser bom também refazê-lo às vezes. Sei que eu já mudei a ordem das minhas prioridades algumas vezes…