Eu nasci em 1982 e lembro nitidamente das manhãs de domingo assistindo Fórmula 1 na década de 90. Também lembro quando tocava o tema da vitória do Ayrton Senna. Era tão emocionante, que essa música por muitas vezes era escolhida pela escola para apresentações de fim de ano.
O Ayrton era tudo aquilo mesmo que mostra na série recém lançada da Netflix. A série é impressionante, mexe muito com você. Eu me vi torcendo para uma corrida que já sabia o placar e que era encenada por atores. Chorei quando o ator ganhou a corrida. Por que?
Algumas produções tem essa características: mexem com nossos afetos, memórias e ganham nosso coração independentemente da qualidade, já que o grande feito da obra é fazer você reviver fortes emoções. Também usam artifícios como músicas e diálogos inspiradores pra isso.
Para quem estuda comportamento humano: somos guiados pela heurística do afeto. Nossas emoções positivas sobre algo ou alguém comandam nossas preferências. Não tem como não amar a série sobre o Senna, justamente porque ela é sobre o Senna.
Mas hoje não queria falar de heurísticas. Queria falar de como é impactante - apesar de menos emocionante - assistir a trajetória de pessoas determinadas. Eu tive a mesma sensação assistindo ao documentário do Arnold Schwarzenegger e da Martha Stewart (ambos disponíveis na Netflix).
Uma pergunta sempre fica sempre na minha cabeça: o que torna uma pessoa determinada?
Em busca dessa resposta, encontrei no ano passado o livro GARRA, da Angela Duckworth, uma acadêmica americana, que tenta explicar o poder da paixão e da perseverança. Em sua tese, essas 2 características trazem mais sucesso do que talento e inteligência. Ela inclusive tem um TED TALKS de 6min sobre isso se você quiser assistir (clique aqui)
Ela inclusive conta a história de que foi professora de matemática e que observou que os melhores alunos não necessariamente tinham QI mais alto. Ela notou que a grande diferença nos estudos e na vida era ter DETERMINAÇÃO e não ser o mais inteligente, ter mais saúde ou a melhor aparência física (apesar disso tudo ajudar em muitos dos nossos empreendimentos).
É muito mais fácil ser determinado quando você é apaixonado por algo. Eu não sei se você teve a sorte (e o privilégio) de encontrar algo pelo qual fosse tão apaixonado que deixasse você completamente obcecado por aquilo, a ponto de esquecer do tempo e do custo de se dedicar tão intensamente a isso (comigo aconteceu quando estudei pra concurso, quando finalmente pude entender mais a fundo sobre todas as áreas do Direito, e depois aos 35 anos com ciências comportamentais).
Na série Senna fica nítido o quanto ele era obcecado desde criança por automobilismo. Era essa paixão que o fazia se submeter a tal prática disciplinada, que o levou ao estado de fluxo, narrado por ele próprio na série, como uma sensação de espontaneidade e ao mesmo tempo controle absoluto do carro, como se eles fossem uma coisa só. Um estado absoluto de concentração e prazer.
No livro garra, há uma passagem que diz que:
fluir significa atuar em altos níveis de dificuldade e ainda assim sentir que “não está fazendo esforço", como se você não tivesse que pensar naquilo, apenas faz e pronto.
Para autora, a garra depende de 4 recursos psicológicos:
interesse: qual sua paixão?
prática: quanto você se esforça para atingir seu objetivo?
propósito: que valor você enxerga no que você faz para os outros?
esperança: qual seu grau de confiança de que vale a pena se esforçar?
Bom, fica claro para quem acompanhou o Ayrton Senna que ele reunia tudo isso que está na lista acima quando se tratava de automobilismo. Então a primeira coisa que deveríamos pensar é sobre a correlação entre determinação x interesse.
É muito difícil ser determinado quando você precisa fazer algo por puro dever (o que é a realidade da maioria de nós). A não ser que esse dever leve você a um resultado que você enxergue valor e pelo qual você tem absoluta certeza de que vale a pena se esforçar.
E como você encontra um interesse pelo qual vale a pena se esforçar? Despertando sua criatividade e abrindo espaço para o novo. Pode ser um curso, tocar um instrumento, viajar ou ler um livro diferente. O seu interesse pode estar a um ato de curiosidade à distância.
Comigo aconteceu isso. Eu me eduquei financeiramente e entre cursos matemáticos e financeiros, encontrei o livro Rápido e Devagar, que descortinou uma nova forma de enxergar o mundo. Eu me dediquei desde então a ler sobre o tema, fazer cursos sobre o tema até criar meu próprio curso para disseminar finanças comportamentais aqui no Brasil.
Fazer isso conciliando com 2 filhos e um emprego teria sido impossível sem paixão pelo assunto. Qualquer obstáculo parecia derreter diante da minha determinação em prosseguir, movida tão somente pela paixão no início.
Mas note, não basta o interesse. É mais fácil ser determinado quando você enxerga que seus esforços contribuem para algo maior do que seus próprios interesses. Na série do Senna você também consegue ver que ele tinha uma questão de representar o Brasil, de mostrar que latinos também tinham valor e poderiam ser campeões.
Mas ao contrário do que a maioria pensa: é preciso muito esforço para experimentar o sucesso. A repetição de uma mesma habilidade é o que nos torna experts. O que acontece com muitos de nós é que temos dezenas de interesses, nos quais engajamos por algum tempo, mas não tempo suficiente para nos tornar expert naquilo. Ou desistimos ou estagnamos (eu que o diga em minha tentativa frustrada em aprender a tocar violão aos 34 anos. Após 1 ano, desisti!).
O que a ciência ainda discute é se a pessoa que tem mais garra gosta de se esforçar mais ou se desenvolvemos o gosto pelo esforço ao experimentarmos a recompensa!
Por fim temos a esperança. O quanto você acredita que vale a pena se dedicar a algo? Parece besteira, mas crenças são profecias autorrealizáveis porque influem na sua motivação em fazer algo. Se você acredita que seu esforço não conta para seu objetivo: por que se esforçar?
Isso é uma das coisas mais impressionantes na série sobre o Senna. A corrida que ele fez em Interlagos em 1991, e que foi sua primeira vitória em solo brasileiro, mesmo já tendo sido aquela altura campeão mundial, é algo que seria impossível pensando em termos técnicos.
Vou dar um spoiler (porém estamos falando de uma série documental haha) de uma das cenas mais emocionantes da série.
Faltando 7 voltas pra vencer, o Senna estava há 40 segundos do segundo colocado. A corrida já era considerada ganha. Maaaas ele teve um problema no câmbio do carro e teve que dirigir “no braço“ e na garra.
Ali todo mundo desacreditou que ele ganharia: os pais do Senna, os comentaristas e o público. Senna solta a seguinte frase do cockpit: “vai ter que dar“. E deu. Ele teve esperança que ganharia, mesmo contra as probabilidades.
Assistir a essa cena é acreditar que garra realmente existe. E Senna gabaritou no teste.
Qual será o seu grau de garra com o seu projeto atual?
O livro traz um teste do grau de garra (clique neste link para testar).


Como não quero chorar sozinha: assista ao que o próprio Senna disse sobre garra!
Até a próxima neuro.letter!
Carol