Dada a comoção causada pelo show da rainha do pop em maio de 2024 no Rio, eu senti que era tempestivo lembrar sobre algo que falo desde o primeiro dia da Formação em Finanças Comportamentais: “você não é o seu cliente”.
Antes de chegar na conclusão, vamos fazer uma breve retrospectiva.Mas preciso que você abra seu coração e mente e fique comigo até final, combinado?
A primeira é sobre expectativa.
Madonna se consagrou um ícone da cultura pop entre os anos 80 e 90 pelo motivo de ser teatral, transgressora, sexualmente livre, defensora e representante de minorias (quando nem existia essa expressão ainda). Madonna sempre veio pra chocar, falava abertamente sobre a AIDS e foi excomungada 3 vezes pela Igreja católica. É só ir no Google e no Youtube. 40 anos bem documentados.
Essa mesma Madonna foi chamada de velha por um jornal britânico, quando tinha apenas 35 anos, por ter causado, de novo, choque ao performar um show bem parecido com o que foi feito em Copacabana no último final de semana (aos 65). Mas ela não se curva ao que a normal social dita como padrão de comportamento de uma mulher com a idade XYZ, vivendo a dor psicológica (e os ataques) de não seguir o padrão.
Madonna fez no sábado o que fez nos últimos 40 anos. E mesmo tendo essa consistência como artista, ela ainda consegue provocar reações extremas e raivosas, as mesmas de 40 anos atrás. Parafraseando a própria Madonna: o pecado dela é existir (ou persistir). O sistema de crenças dela é sólido e ela o defende a todo custo, sem recuar um centímetro. Tem quem se doa com isso.
Esperar algo diferente de Madonna não é só um problema de alinhamento de expectativa. É um problema de conflito de sistema de crenças.
Quem acha que a Madonna fez uma orgia em público no sábado não vai convencer quem acha que aquilo foi arte e representatividade. Simplesmente porque são 2 pontos de vista diametralmente opostos.
E o que acontece quando uma visão de mundo atravessa a nossa?
A gente se agarra ainda mais em nossas crenças base. E o nome disso é viés de confirmação: temos uma tendência a dar mais crédito, força e foco em dados, fatos, pesquisas, artigos que confirmem o que já acreditamos.
Madonna mostrou que o mundo está imoral demais x Madonna mostrou que o mundo ainda está careta e preconceituoso
Quem tem razão?
No final do dia: a gente sempre vai achar que a nossa visão de mundo é superior. A gente sempre vai achar que o outro é que é ignorante ou imoral ou preconceituoso.
Entendam: o jogo nunca vai ser ganho por nenhum dos lados, enquanto um tentar convencer o outro de que é aquele lado que está certo. Não dá pra pedir para uma pessoa diferente de você viver nos seus termos. Vocês partem de premissas diferentes.
A visão de mundo é forjada pelas experiências, cultura, família, comunidade, religião, classe social, raça, gênero e sexualidade. É esse balaio de gato, que é próprio de cada um, que vai determinar desde “o que eu penso sobre Madonna” até “é melhor financiar do que alugar”.
Uma coisa que aprendi desde que comecei minha jornada nas ciências comportamentais é tentar ser menos reativa a pontos de vistas diferentes do meu. É escutar o que o outro sente diante de determinado assunto. É tentar entender de onde vem aquilo e, na melhor das hipóteses, oferecer para ele repertório sobre um outro modo de enxergar a vida. Isso é uma troca que enriquece.
Confesso: às vezes é difícil ouvir quem pensa muito diferente. O impulso é repelir ou excluir. Mas eu faço um esforço consciente para ouvir e incluir. Em última análise, defender nosso sistema de crenças é defender nossa própria existência.
Com o dinheiro também é assim. Um assunto que traz sentimentos inflamados. Cada pessoa carrega dentro de si um significado para segurança, diversão, futuro, providência e felicidade e em nome desses valores usa o dinheiro para isso ou aquilo.
Encaixar essa pessoa em um discurso padrão de educação financeira vai fazer com que ela se recolha e se agarre ainda mais em suas crenças, ainda que essas crenças a estejam prejudicando. Pessoas têm um certo radar anti persuasão que é acionado quando tentam convencê-la a largar suas crenças.
Sabendo disso, qual o seu papel como planejador e educador financeiro (na minha visão de mundo)?
Provocar o cliente para que ele entenda de onde vieram essas crenças e se elas fazem sentido no contexto dele atual
Mostrar outras formas de lidar com dinheiro, aumentando o repertório do cliente
Compreender que o cliente pode não topar fazer tudo que seria ideal, segundo a educação financeira tradicional, porque ele simplesmente quer viver a vida sob outros termos
Entender o indicador de bem estar do cliente e usar isso como bússola do sucesso financeiro
Pra resumir: evite tentar convencer as pessoas sobre o jeito certo de lidar com dinheiro (até porque qual seria o jeito certo?!).
Parta sempre da visão de mundo dessa pessoa e foque no que é importante para ela, mostrando os benefícios de novas formas de lidar com a própria grana. Se for atraente, ela vai embarcar nessa nova visão sobre o próprio dinheiro.
Por fim: não tente, jamais, transformar seu cliente em você. Não é só porque você conseguiu lidar bem com o dinheiro que o cliente quer (ou vai conseguir) seguir os mesmos passos.
Vou deixar aqui o link de um vídeo que eu sempre apresento para os alunos da Formação sobre como lidar de forma inteligente com o viés de confirmação (se você é aluno da turma atual, pule para evitar spoiler rs). Clique abaixo para assistir :
Se você é ou pretende ser mentor financeiro de alguém: crie pontes e não muros.
Até a próxima.
Beijos,
Carol Velloso
Muito bom!