Para não alimentar o sonho da casa própria você precisa viver muito fora da matrix.
Aconteceu comigo no último domingo: depois de um dia delicioso com meus filhos, regados a sorvetes, crepes, piscina e passeio de bondinho, decidimos ir jantar em um restaurante em Ipanema.
Já era quase 19h e eu não tinha nada pra comer em casa, então o restaurante se mostrou a melhor opção. A escolha contou com o viés da inércia: vamos naquele restaurante italiano em Ipanema que as crianças gostam. No caminho, salas enormes com iluminações pensadas por arquitetos despontavam acima dos carros.
Você pode não morar no Rio, mas já ouviu falar do bairro Ipanema (graças ao Tom Jobim e sua canção). E sim: Ipanema é um bairro caro. São ruas agradáveis, com árvores, restaurantes da moda e muito charmosos. Também tem apartamentos antigos que são grandes e contam com varandas convidativas.
Olhando pra cima falei em voz alta mais do que queria: “Queria morar em uma casa boa”. Saiu sem nenhum filtro.
Nessa hora meu filho de 6 anos me ouviu. E rebateu: “Mas a gente mora numa casa boa, mãe”. E continuou: “lá tem o Gui (filho do vizinho), o Henrique (filho do outro vizinho)...” e continuou listando coisas que só o olhar de uma criança ainda pouco moldado pela norma social consegue ter.
O comentário dele me emocionou. E me tirou um peso também. Muito da minha atual vontade de me mudar vem de ter 2 filhos. A casa que era ótima passou a ser pequena e cheia de defeitos.
Saber que ele considera a “casa boa” me deixou menos angustiada. Mas afinal: eu quero mudar por causa dos meus filhos ou por minha causa?
A minha relação com a casa própria é oscilante. Ora 110% emocional, ora 130% racional.
Antes de entender sobre comportamento humano e educação financeira eu fazia parte da matrix. Meu lema era “quem casa quer casa”. Ter uma casa significava, como para 99% dos brasileiros, contratar um financiamento com o banco. Nunca pensei sobre a decisão em si. Apenas reproduzi.
Para eu deixar a casa da minha mãe e ir morar de aluguel com meu namorado na época eu tive que levar isso pra terapia. Sentia que não podia sair de casa se não fosse para MINHA CASA (bom, tecnicamente seria do banco, mas eu ignorava isso na época). A terapia deu certo e fui morar de aluguel, já que não tinha dinheiro nem pro sinal da casa que eu queria.
Diferente de mim, a minha mãe não foi pra terapia. E ela começou a ficar muito incomodada que a filha morava de aluguel. Esse “crime” não passou impune. Tive embates com ela sobre isso. E por mais que eu tentasse parecer “não ligo de morar de aluguel”, o fato dela reprovar isso me deixava triste e humilhada.
E isso resultou em uma das decisões financeiras das quais eu mais me arrependo (típico de decisões emocionais): comprei um apartamento pequeno, que eu não ia morar, só pra dizer pra minha mãe: “tenho uma casa própria”.
Depois que eu me eduquei financeiramente substituí a norma social da casa própria pela racionalidade: não vale a pena financiar, pensei. Financiar, em geral, é pagar 2, 3 vezes o valor da casa. E me conformei com morar de aluguel de bom grado. Foram anos felizes, porque não havia nenhuma batalha interna sendo travada.
Mas isso mudou mais recentemente.
E aqui é uma lição para quem atende clientes: seu cliente pode jurar que quer uma viagem pra Paris, um sabático ou fazer transição de carreira, mas “do dia pra noite” ele pode querer uma casa própria. Porque nossos desejos mudam com o contexto e com a saliência.
O que eu notei: quando você chega aos 40 anos muitos dos seus amigos começam a ter uma casa própria. Financiada, com ajuda da família, herança ou comprada à vista. Não importa como, o fato é que isso começa a virar uma espécie de “check” da vida adulta.
Assim como o check dos 20 é a viagem descolada, dos 30 é o combo casamento + filhos, aos 40 a casa própria me parece ser o grande símbolo de conquista.
Somado a isso, você tem questões contextuais: família maior, filhos em idade escolar, mais tempo de carreira e (teoricamente) mais dinheiro acumulado, menos ansiedade pra rodar o mundo como antes. Ter um canto com a sua cara é o luxo do adulto.
Tomar a decisão de comprar uma casa própria é muito emocional e contextual. Por isso que os argumentos de “é caro financiar” não colam para os “emocionados” (ou guiados pelo Sistema 1 de tomada de decisão).
No final do dia só nós podemos dizer o que pauta nossa felicidade. E sim: seremos influenciados pelo meio. Ingênuo é pensar que não.
A educação financeira pode ser uma ferramenta maravilhosa para ajudar as pessoas a realizarem seus sonhos da maneira certa. Ela não serve pra jogar água no chopp de ninguém, mas para trazer clareza sobre COMO e QUANDO realizar este sonho.
Se deixar na mão do ser humano ele quer tudo AGORA.
Eu, por exemplo, quero a casa com a minha cara. Mas também quero liberdade de ir jantar num restaurante porque estou cansada, quero tirar férias em lugares especiais, quero pagar o ballet da Malu, o judô do Bento, pagar a escola que eu acho melhor para as crianças, comprar roupas descoladas, tomar bons drinks…
Parafraseando uma fala da Prof. Vera Rita: dinheiro é finito, mas desejos não. E é aqui que a educação financeira tem o papel de ajudar as pessoas a realizarem o maior número de desejos possíveis.
Saber fazer o melhor uso do dinheiro requer mais do que manejar planilhas e saber indicar o melhor investimento para aposentadoria.
Afinal, somos diversos, oscilantes, inconsistentes, irracionais e amamos uma manada, já que não queremos sofrer sozinhos pela decisão de poupar antes e comprar só depois. Melhor mesmo é fazer igual a todo mundo e financiar agora! É o famoso: é ruim, mas é bom.
Separar o que é seu do que é do outro dá trabalho e traz sofrimento. Mas a vida fica autêntica quando você consegue.
Atualmente eu entrei novamente nessa encruzilhada: casa própria x viver novas experiências profissionais. Eu escolhi a segunda, mesmo me questionando se fiz certo todos os dias (afinal, o paradoxo da escolha é sobre ter muitas opções e se arrepender pelo que não foi escolhido).
De qualquer forma, o que traz a verdadeira paz e a possibilidade de escolher é ter sobra de dinheiro. No sistema em que vivemos, ser livre é ter uma reserva financeira que suporta as consequências das suas decisões, sejam elas consideradas loucas ou não.
Tenha uma reserva financeira para ser "louca" ou seja refém dos seus vieses cognitivos.
Carol
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Que reflexão boa! A dificuldade de encontrar imóveis para alugar com uma boa equação preço X qualidade por terras cariocas também tem seu peso.
Foi uma delícia relembrar as aulas icônicas de "Titia Vera" lendo o texto.
Legal, Carol. Quando casei, não tinha nem deia de nada de ciências comportamentais e caí na crença..."quem casa quer casa"! Já são 15 anos pagando, 13 anos de casados e muitos custos afundados para qualquer decisão racional...kkkkkkk...