Salto de fé.
Bem vindo a última neuro.letter especial sobre o empreendedorismo & comportamento.
Se você é recém chegado: a neuro.letter é a minha newsletter sobre comportamento e dinheiro. Porém, este mês resolvi compartilhar mais sobre a minha própria jornada empreendedora e trazer algumas reflexões e insights comportamentais.
O subtema de hoje é: transição de carreira.
Assunto muito espinhoso (e pessoalmente difícil pra mim). Afinal, como saber a hora de dar o salto de fé?
Antes queria contar sobre o filme chamado Past Lives, ou Vidas Passadas (você pode alugar no Prime). Juro, vou evitar spoiler!
Nesse filme, uma coreana, Nora, vive a infância na Coreia do Sul e se muda para o Canadá aos 12 anos com a família.
Ela tinha um amor de infância e o reencontra no facebook 12 anos depois, quando se reapaixonam novamente. Entre encontros e desencontros, eles só se encontram pessoalmente em Nova Iorque 24 anos depois da partida dela da Coreia (a essa altura ela está casada e ele acabou de terminar um namoro). E a partir daí você tem uma sequência de diálogos e reflexões dos protagonistas (incluindo o marido de Nora).
Esse filme tem muitas nuances, então vou ter que escolher só 1 pra trazer aqui. Mas a pergunta que fica no ar é: "e se".
E se Nora tivesse ficado na Coreia?
E se Nora e Hae Sung (amor de infância e de facebook) tivessem se encontrado aos 24 anos?
E se eles continuassem a se falar (eles ficam sem se falar por 12anos, mas não quero entregar mais que isso)
E se Nora não tivesse casado?
No filme ainda é introduzida ao público o conceito de in-yun, que na cultura coreana quer dizer algo como "destino" mas mais relacionado à relacionamentos. Ele quer dizer se você esbarra com alguém na vida quer dizer que já a encontrou em vidas passadas. É uma forma mais passiva de aceitar o destino e encontros e desencontros nesta atual existência.
Eu desmoronei mesmo nas cenas finais em que Hae Sung pergunta a Nora, quando os protagonista aceitam o "destino" desta existência. Hae Sung pergunta algo a Nora que ficou ecoando por aqui: "se essa é uma vida passada, o que será que somos na próxima vida"(ou algo parecido).
E essa não é a eterna pergunta de quem quer largar a CLT para empreender: E Se?
E se eu continuar nesse emprego que suga a minha alma e criatividade?
E se eu conseguir empreender e superar meu salário?
E se eu não fosse mãe?
E se eu nunca tentar?
As perguntas ecoam sem respostas fáceis. Seria mais fácil aceitar o nosso destino dessa existência e esperar para que na "próxima vida" a gente possa se realizar na profissão, ter mais coragem, ter sorte de começar antes de já ter tantas responsabilidades e coisas a perder do outro lado da balança.
Mas e se não tiver próxima vida? E se você só tiver essa vida?
Apesar de a profissão de planejador financeiro ser exercida há anos, ela tomou mais tração recentemente. Portanto, vejo que a maioria dos meus alunos estão tentando cruzar a ponte.
Alguns queimaram a ponte e completaram a transição.
Alguns queimaram a ponte, mas tiveram que reconstruí-la, voltaram para CLT, e hoje se sentem mais tranquilos levando os 2 em paralelo.
Alguns queimaram a ponte, reconstruíram a ponte, e aguardam o dia para queimá-la de novo, com o otimismo típico de quem se encontrou nessa ainda existência.
Esse também é meu conflito.
Me lembro quando pedi demissão do escritório em 2010 para estudar pra concurso e na terapia dizia: eu não sei o que eu quero da vida. Só queria ser paga para estudar (sabendo que isso seria impossível, decidi ser prática e estudar para concurso, seguindo os conselhos de Marilene, minha mãe, que por 7 anos ininterruptos insistiu para eu ser concursada).
Quando aos 35 anos eu me encontrei profissionalmente não era como advogada. Era como comunicadora, professora, produtora de conteúdo, educadora. E agora?
20 anos de carreira, um gordo salário com benefícios ou ser feliz na carreira e ter um negócio sob os seus termos?
Confesso: ainda não consegui me decidir. Eu já coloquei esse prazo tantas vezes e em todas eu o descumpri. Já fiz juras na terapia, que perderam força a medida da passagem do tempo.
Tem coisa demais de um lado da balança.
Isso me lembra uma vez que viajei pra eslovênia e fazendo corredeiras com um cara experiente - ele devia ter um pouco menos de 50 anos - ele disse que não ia mais nas corredeiras desafiadoras. Eu perguntei por que, e ele respondeu: "a gente fica medroso com a idade."
Agora ele tava lá, nas corredeiras dos turistas. Encarando águas previsíveis.
E qual a conclusão disso tudo? Quando dar o salto de fé?
Eu vou ser prática e dizer minha opinião verdadeira:
quanto menos coisas você tiver para abrir mão, mais fácil dar o salto
quanto mais nova você é, mais fácil
se não tiver filho, 10 x mais fácil
quanto mais dinheiro provisionado para viver do que se ama (eu teria 1 ano de reserva, mas sei que pode ser algo irreal pra muita gente), mais fácil
quanto mais saúde mental, mais sereno o salto
ter vivido em paralelo por um tempo até o seu negócio tomar um pouco mais de tração, mais fácil
Empreender não se resume a fazer o que se ama. Tem muitas nuances para serem avaliadas. É uma escolha de estilo de vida, na verdade. Você vai casar com a incerteza e vai ter que fazer de tudo um pouco (diferente do concursado, que casa com a previsibilidade e do CLT, que casa com a comodidade).
Finalizo com a pergunta: nessa vida, você vai aceitar o seu destino ou fazer o seu destino?
Não existe certo e errado. É mais uma questão de filosofia a se seguir. Assim como se o filme Vidas Passadas tivesse sido escrito por uma americana, e não por uma coreana, teríamos um filme diferente.
Boa sorte!
Carol Velloso