Eu sempre amei o Lulu Santos. Foi sem sombra de dúvida o maior número de shows que já fui nessa existência de 42 anos. Na década de 90 e 2000 ia ao finado Metropolitan para cantar as mesmas músicas. Eu nunca quis ouvir repertório novo. Sempre fui pelos hits.
Na época ao escutar a música Tempos Modernos me tocava no fundo da alma a parte mais pulsante da música:
“hoje o tempo voa amoooorrr, escorre pelas mãos
mesmo sem se sentir,
que não há tempo que volte amor (cante fechando os olhos, que fica melhor)
vamos viver tudo que há pra viver, vamos nos permitir"
É engraçado olhar os versos e pensar o peso que damos a cada um com o passar dos anos. Aos 20 anos eu focava na parte: "vamos viver tudo que há pra viver, vamos nos permitir”. Eu tinha tanto tempo pela frente, tanta vontade de viver, de experimentar, de viajar, provar, testar. Vamos nos permitir parece o hino dos jovens.
Aos 40 …nem tanto. Eu amo a rotina. Eu amo a previsibilidade. Eu amo coisas imprevisíveis, desde que elas aconteçam dentro do que eu previ. Tipo: encontrar uma livraria nova no mesmo caminho de volta pra casa. Ou uma viagem planejada, mas que tem boas surpresas em seu transcurso.
Aos 42 anos eu fico mais encasquetada como os primeiros versos da estrofe da música: hoje o tempo voa e escorre pelas mãos.
Eu não sei se isso se deve ao meu neurotiscismo, ansiedade ou aos tempos modernos, que nos vicia em smartphones e faz o tempo escorrer pelas mãos, mesmo sem se sentir.
Lulu não poderia prever que essa música seria mais atual em 2025 do que em 1982 (descobri agora que a música foi escrita no ano que nasci), mas por motivos diferentes do que ele imaginara nos anos 80.
O tempo passa sem que a gente perceba porque nos dedicamos a coisas que movem nosso sistema de recompensa. E isso vai num frenesi que quando paramos para olhar a "fatura" gastamos mais do que gostaríamos do nosso dinheiro, tempo e foco.
A gente tem trocado o vamos viver tudo que há pra viver, pelo vamos consumir tudo que há: conteúdo, roupas, pessoas, newsletters, cursos. Até que cansamos. Mas o vício nos torna de certa forma impotentes e mesmo culpados, continuamos nesse ritmo alucinado de consumo.
Mas o tempo passa de forma diferente para as pessoas. E isso me ocorreu em uma sorveteria de uma cidade da serra do Rio.
Ao passar em uma sorveteria para buscar um pote de sorvete para as crianças se refrescarem no calor cortante da serra, o atendente me deu uma placa para espera. Só tinha eu na fila. Estranhei. Ele me deu a indicação que sentasse para esperar. Constrangida, sentei.
Pablo me ligou dizendo que estava aguardando no carro do lado de fora do centro comercial. Eu já me inquietei e levantei para perscrutar o menino do sorvete. Ele estava plácido colocando o sorvete calmamente no pote. Afinal, ele já tinha me dado o número para esperar.
Até que ele quis colocar uns biscoitos de casquinha em um envelope transparente e grampear. O grampeador estava sem grampos. Eu, com pressa, lancei um: “moço, não precisa. As crianças vão rasgar isso em 1 minuto. Eu levo aberto mesmo". Ele sorriu e foi buscar a caixa com os grampos.
Os grampos caíram sem querer - todos - no chão. Ele continuou como se NADA TIVESSE ACONTECIDO. Pegou o grampo, colocou no grampeador, grampeou 3 vezes o envelope com os 4 biscoitos. Depois pegou uma fita, emoldurou a caixa de sorvete e colocou na sacola de natal da loja. Novamente grampeou a sacola. E me deu sorrindo, como quem dá um presente de Natal.
Ele deve ter pensado: “eu disse que ia chamar, senhora".
Já eu: em completo choque assistindo aquela calma impassível. Eu já tava querendo arrancar tudo da mão dele com um: “moço, tá ótimo. Esse sorvete aí dentro vai derreter. Pelo amor de jesus, deixa eu te ajudar a catar esses grampos. Eu disse que não precisava…bla bla bla". Meu falatório mental era interno. Por fora: apenas a calmaria do menino do sorvete da cidade do interior.
Isso me deixou em estado pensativo: por que a gente é tão acelerado? Ou nos aceleramos? Os fomos acelerados? (eu sempre fui, confesso. Mas o estado frenético da vida piorou tudo). Não estava mais conseguindo formar pensamentos inteiros. Me sentia burra.
Então como antídoto passei a ler mais nos últimos meses. Foram 4 livros:
1984
A Amiga Genial
A História do Novo Sobrenome
História de Quem Vai e de Quem Fica
Meus pensamentos estavam tão acelerados e picotados que no início eu tentava pular páginas e parágrafos. Eu tinha que me forçar a ler, especialmente 1984, cujo terço final é mais carregado.
Nesse rehab autoimposto, percebi que viciei em leitura. Antes isso do que rede social.
Triunfei (pensei). Até que fui ver a fatura dos últimos dias: o aplicativo de tempo de uso do celular não mente. Eu já tinha meu veredito: muitas horas nas redes sociais. Como?!!!
Vieses cognitivos. Eles são sorrateiros e nos enganam para que a gente ache que é melhor do que é, faz mais (ou menos) do que deveria e é uma versão aceitável. Lulu tinha razão na estrofe: eu vejo a vida melhor no futuro. Somos otimistas demais e subestimamos nossas falhas.
Os vieses acabam passando um pano na dor da dissonância cognitiva, ou seja, de ser incoerente com a nossa autoimagem.
Qual a receita para os tempos modernos, então?
Talvez tenhamos que desenvolver a habilidade pra dizer mais sim do que não. Só que você precisa saber para o que vai dizer os seus SIMs. Sem esse fio condutor, fica mais fácil dizer sim para as distrações (não é justamente o que fazemos com o dinheiro a todo tempo).
Quais os seus SIMs de 2025?
Feliz ano novo :)
Carol Velloso