(Re)Virei noveleira aos 42

Vale Tudo é melhor novela quando o assunto é dinheiro

Eu já disse que esse ano estou nostálgica e que abandonei as séries americanas, os cosmopolitans em New York pela carioquice da novela Vale Tudo?

O nível da minha loucura chegou ao ponto de eu começar a ver até mesmo a versão de 1988 (uma incursão sociológica), enquanto espero novos capítulos da versão atual. Até as crianças já sabem quem é Raquel, Marco Aurélio, Maria de Fátima e a famosa Odete Roitman.

Mas além de me deleitar com a novela, eu AMO que ela traz um monte de discussão sobre dinheiro e seu uso.

Então decidi fazer um perfil comportamental de cada um dos personagens principais para te mostrar como cada perfil impacta em decisões financeiras.

Antes eu queria te apresentar ao conceito de Script do Dinheiro (ou originalmente Money Scripts).

A origem dos Money Scripts

O conceito de Money Scripts foi desenvolvido pelos psicólogos financeiros Dr. Brad Klontz e Dr. Ted Klontz, com base em pesquisas clínicas e comportamentais que investigavam crenças inconscientes sobre dinheiro. Como psicólogos, eles perceberam que muitos clientes em terapia financeira repetiam padrões de sabotagem financeira, mesmo com boa educação ou renda.

Esses padrões eram emocionais, aprendidos na infância e funcionavam como "scripts automáticos" que guiavam suas decisões com dinheiro (o cérebro A-D-O-R-A automatizar o máximo de coisas possíveis).

Depois de coletar dados em pesquisa, o Money Script Inventory foi testado empiricamente com centenas de participantes nos EUA e posteriormente publicado na Journal of Financial Therapy.

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Quais são 4 scripts principais identificados?

1. Money Avoidance (Evitação)
   → Crença de que o dinheiro é ruim, sujo ou corruptor. A pessoa com esse script predominante tem a tendência de sabotar ganhos e evita lidar com finanças.

2. Money Worship (Adoração)
   → Crença de que mais dinheiro sempre trará mais felicidade e que esforço só vale a pena se levar a ganhos materiais. Há também um leve senso de urgência em alcançar conforto e reconhecimento. A pessoa com esse script predominante corre risco de endividamento, compulsão e insatisfação crônica.

3. Money Status (Status)
   → Crença de que o valor da pessoa está no quanto ela tem. Um pouco diferente da adoração, aqui há uma necessidade de impressionar, ostentar ou esconder a escassez.

4. Money Vigilance (Vigilância)
   → Crença de que dinheiro é segurança e deve ser protegido a qualquer custo. Gera controle, contenção e desconforto com prazer. Muitas pessoas tem dificuldade de gastar e isso impacta relacionamentos pessoais.

E aí? Já identificou seu script predominante? Pensou em algum cliente que se encaixa? rs

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Voltando pra Vale tudo e seus personagens, vamos entender como se manifestam os perfis?

Maria de Fátima

“Vocês conseguiram o que com essa honestidade toda, durante todos esses anos? Essa casinha?"

"Eu sempre fui rica num corpo de pobre".

"Meu verdadeiro EU combina com dinheiro, meu verdadeiro EU combina com jacuzzi, roupas caras...".

A dona dessas frases é ela: Maria de Fátima, a protagonista-vilã da novela

Com base em frases como essa e outras informações sobre a personagem, que faz tudo por dinheiro e para enriquecer, incluindo vender a casa da família, sem a mãe saber, e usar o dinheiro para parecer rica no Rio de Janeiro, concluímos que possivelmente ela tem o script predominante do Status pelo Dinheiro (Money Status), com traços de Adoração (Money Worship).

O script Status carrega a ideia de que o dinheiro define valor pessoal e reconhecimento social. Existe uma ligação emocional forte entre ser visto como alguém bem-sucedido e ter símbolos visíveis de riqueza.

Aqui aparece a crença de que o dinheiro é a chave para vencer na vida. A personagem se alinha muito a esse senso de urgência em alcançar riqueza, conforto e reconhecimento social, pois toda a sua saga visa interesse financeiro e status. Para Mary Faty (como é chamada nas redes socias), vale tudo pra ser rica, sim!

Raquel

"Quem mente rouba. Quem rouba mata"

“Não tenho medo de trabalho. "Trabalhar com o que eu amo? Eu sou feliz com tudo."

“Nunca peguei dívida"

Raquel, a mãe da vilã e seu extremo oposto

Raquel é a mãe da Maria de Fátima. Tentou ensinar pra filha sobre ética, o valor do trabalho e nunca teve vergonha de ser da classe trabalhadora. É feliz no simples, como diz o bordão.

Se vendo sem dinheiro, ela decide vender sanduíches na praia o que é encarado como extrema humilhação pela filha, Maria de Fátima. Mais tarde, ela decide abrir um restaurante, mas precisa pegar um empréstimo no banco. Ela passa mal e não consegue assinar o contrato de empréstimo e precisa de muito apoio para dar esse passo, pois nunca teve dívida na vida e encara tomada de empréstimo como algo muito negativo.

Ela possivelmente tem como script predominante o Vigilante com Dinheiro (Money Vigilant), com pitadas da evitação. Esse é um script característico de pessoas que:

• Valorizam o autocontrole financeiro, o que muitas vezes os impede de gozar do próprio dinheiro

• Têm aversão a dívidas

• São altamente responsáveis e autossuficientes — preferem conquistar a depender.

• Não são consumistas e nem ostentadores

Ivan

“Comprei esse carro porque agora eu sou diretor da TCA! Tenho que impressionar os clientes."

“Vamos ficar com os dólares. Eles mudam a vida de qualquer pessoa"

“Eu não roubei os dólares"

Ivan está entre a Maria de Fátima e a Raquel. Tem princípios, mas tem ambição de ascender profissionalmente e ter conforto material. Tem caráter total-flex, mas tá mais para um cara legal.

Na nova versão de Vale Tudo, o personagem Ivan, emerge como o retrato de um brasileiro que caminha na corda bamba entre ascensão social e ética pessoal.

Ivan deseja mobilidade social e conforto — e não esconde isso. Ele acredita no mérito, no esforço e no trabalho bem feito, mas também espera ser reconhecido visivelmente por isso e às vezes ultrapassa alguns limites éticos. Os fins justificam os meios, ele poderia dizer, a depender do contexto. Ele é um personagem mais complexo, porque apesar de gente boa e família, pode ter atos eticamente duvidosos.

Ele não é afeito a arroubos com o dinheiro, mas compra um carro de luxo pra mostrar que pertence ao grupo de executivos. Uma mensagem silenciosa de que “ele chegou lá”. Mesmo que não verbalize, Ivan valoriza o que seu status profissional comunica socialmente.

Ainda assim, há uma linha que ele se recusa a cruzar: não está disposto a quebrar seus princípios para subir na vida. Em um mundo onde Fátimas e Odetes fazem de tudo por poder, Ivan segue acreditando que é possível vencer sem perder totalmente a integridade.

Ivan demonstra:

• Desejo legítimo por mobilidade social e conforto;

• Acredita no mérito, no esforço, mas quer ser recompensado visivelmente;

• Compra um carro de luxo para impressionar e cogita ficar com dólares que não é dele (mesmo que não tenha roubado)

• Ainda assim, não está disposto a quebrar regras morais básicas.

Ivan é um script difícil de ler. Mas poderia apostar que seu script predominante é o da Adoração ao Dinheiro.

“Mais dinheiro sempre trará mais felicidade, segurança e poder.”

Esse script é alimentado por uma sensação interna de insatisfação crônica. Para essas pessoas, o dinheiro parece ser a solução mágica para todos os problemas, ainda que a experiência mostre o contrário.

Apesar disso não aparecer no Ivan, porque eu chutaria que ele tem pitadas do script Money Vigilant, pessoas com o perfil Adoração tem:

• Níveis mais altos de endividamento;

• Dificuldade em controlar gastos;

• Maior propensão ao uso emocional do dinheiro;

• Insatisfação financeira, mesmo em níveis de renda mais altos;

• Tendência à compulsão por consumo ou jogos de azar.

Na novela não consegui identificar ninguém com o script Evitação.

Todo mundo parece estar em busca de ascensão financeira, seja do jeito Maria de Fátima (vale tudo por dinheiro) ou do jeito Raquel (trabalhe duro e alcance o sucesso). O tema dinheiro aparece muito no comportamento dos personagens, não necessariamente de forma direta, mas em diálogos sobre decisões profissionais e de compra.

E a vida real também é assim: é possível falar sobre dinheiro sem falar sobre NÚMEROS. Mas só entende quem abre espaço pra aprofundar em finanças comportamentais.

Agora a pergunta que deixo é: dá pra ajudar Maria de Fátima, Raquel e Ivan da mesma maneira, sendo que os 3 tem scripts financeiros tão diferentes? A resposta é um sonoro NÃO.

Cada perfil traz consigo um conjunto de crenças e obstáculos comportamentais para lidar com o dinheiro e precisa ter um olhar individualizado, caso o objetivo seja a mudança significativa e sustentável de comportamento financeiro.

E foi pra ajudar pessoas a entender isso que criei o Neuroeconomia ;)

Espero ter provado meu ponto usando Vale Tudo como exemplo (daria pra fazer mais mil posts deste)!

Te vejo na próxima!

Carol

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